terça-feira, 6 de maio de 2008

Irreverência em tempos de adversidade

SIM, ESCOLA TAMBÉM. Às vezes eu até em alemão obtinha boas notas. Muita coisa eu não gravei da leitura de textos alemães, somente alguns autores me ficaram na memória: um deles chamava-se Adolf Hitler, autor de "Mein Kampf", leitura obrigatória. Nosso professor de alemão, Schmitz, um homem de uma aguda, graciosa, irônica secura (para alguns autores seco demais!), usava os textos sagrados desse autor Adolf Hitler para nos ensinar a concisão de estilo, chamado de sintético. Isto significava que nós tínhamos que tomar cerca de quatro páginas do "Mein Kampf" e reduzi-las para duas, se possível para uma e meia: "condensar aquele indescritível alemão mau escrito, cheio de divagações e encaixes infelizes (existe também um bom alemão com divagações e encaixes infelizes!). Imaginem: "reduzir" os textos do Führer. Eu tinha prazer em desmontar aquela espécie de alemão e rearrumá-la. Assim, eu lia com atenção "Mein Kampf" -- leitura que não aumentou nem em um décimo de milésimo o meu respeito pelos nazistas. Em todo caso, eu devo ao autor Adolf Hitler alguns Bs em alemão, que eu bem que estava precisando, e lhe devo também -- alguma coisa a mais eu aprendi na escola para a vida -- possivelmente uma certa aptidão para a editoração e uma tendência para a concisão. Até hoje me surpreende o fato de ninguém ter percebido a irreverência que significava "reduzir" os textos do Führer -- também para mim isto só ficou claro muitos anos mais tarde, quando percebi todas as implicações dessa tarefa escolar. E só muitos anos mais tarde, depois de 1945, quando o profesor Karl Schmitz, que constantemente sofria de dor de cabeça, e que às vezes vinha tomar em nossa casa, na rua Schiller, um café comprado no mercado negro, é que eu lhe manifestei todo o meu respeito e agradecimento.

Heinrich Böll

O que vai ser desse rapaz? (Editora Marco Zero, página 43)

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