quarta-feira, 30 de abril de 2008

Inédito


Casa de vidro na noite do cerrado.
Casa de vidro com gramado no teto,
moderno supremo que tomou o sertão.

Eduardo Simantob -- Inéditas

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Morar no Rio

Desci à avenida Atlântica, chuviscava, a praia estava deserta, as águas escuras e crespas. Busquei abrigo num quiosque, e me perguntei se algum dia saberia viver longe do mar, em cidade que não terminasse assim num acidente, mas agonizando para todos os lados.

Chico Buarque

Budapeste, página 41 (Companhia das Letras)

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Bagdá,1991,início da guerra

Estávamos agitados demais para dormir. Um pouco depois das duas horas da manhã, Mark Biello começou a instalar as Câmeras nas janelas, para o caso de acontecer alguma coisa lá fora. Nic estava conversando comigo.
Olhei pela janela. Não havia lua no céu de Bagdá, "uma noite de bombardeio", alguém me disse certa vez, no Vietnã, quando os aviões podem chegar sorrateiramente, sem serem vistos.
Nic inclinou a cabeça para o lado. Estava ouvindo aviões? Eu disse que ele devia estar sonhando. Ele atravessou o corredor para um quarto com as janelas abertas e voltou correndo, muito corado.
--Todos os cachorros da redondeza enlouqueceram. Estão latindo como desesperados -- gritou ele.
Radar de cachorro?
No minuto seguinte, um relâmpago imenso iluminou o céu. Olhei para Nic. Parecia que as suas entranhas tinham descido para as calças. Balancei a cabeça, sem poder acreditar. Os entendidos haviam dito que o presidente Bush devia esperar alguns dias antes de começar o bombardeio.
O estacato dos tiros confirmou o começo da guerra. Olhei para o relógio, para gravar no tempo o momento histórico: 2:32h da manhã.

Peter Arnett
Ao vivo do campo de batalha -- do Vietnã a Bagdá 35 anos em zonas de combate de todo mundo (Ed Rocco, página 422).

Meu comentário: neste mesmo dia e hora (17 de janeiro de 1991) eu estava na Maison de La Radio, em Paris, onde trabalhava como produtor da seção América Latina da Radio France International; alguém disse para ligar a TV, começara a guerra; vi na tela esverdeada os rastros amarelados dos tiros e pensei: "É guerra de verdade". Na TV francesa o locutor anunciou: "La troisième guerre mondiale a commencé".

Veja a transmissão da época: http://www.youtube.com/watch?v=3xhDkzH9z80

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Aurora em SP

Perus olhava. Agora a lua, só meia-lua e muito branca, bem no meio do céu. Marchava para o seu fim. Mas à direita, aparecia um toque sanguíneo. Era de um rosado impreciso, embaçado, inquieto, que entre duas cores se enlaçava e dolorosamente se mexia, se misturava entre o cinza e o branco do céu, buscava um tom definido, revolvia aqueles lados, pesadamente. Parecia um movimento doloroso, coisa querendo arrebentar, livre, forte, gritando de cor naquele céu.
Entrou no salão, mal reparou nas coisas, foi para a janela. Uma vontade besta. Não queria perder o instante do nascimento daquele vermelho. E não podia explicar aquele sentir aos companheiros. Seria zombado, Malagueta faria caretas, Bacanaço talvez lacrasse:
--Mas deixa de frescura, rapaz!

João Antônio
Malagueta, Perus & Bacanaço (Ed Ática -- página 66).

Artist

The artist is the creator of beautiful things.
Oscar Wilde
The Plays of Oscar Wilde (Preface, Ed Wordsworh Classics)