terça-feira, 3 de junho de 2008

Pedra Bonita e do Reino

As agitações sertanejas, do Maranhão á Bahia, não tiveram ainda um historiador. Não as esboçaremos siquer. Tomemos um facto, entre muitos, ao acaso.
No termo de Pajehú, em Pernambuco, os últimos rebentos das formações graníticas da costa se alteiam, em fórmas caprichosas, na serra Talhada , dominando, magestosos, toda a região em torno e convergindo em largo amphitheatro accessível apenas por estreita garganta, entre muralhas a pique. No âmbito daquelle, como pulpito gigantesco, ergue-se um bloco solitário – a Pedra Bonita.
Este logar foi, em 1837, theatro de scenas que recordam as sinistras solennidades religiosas dos Achantis. Um mameluco ou cafuz, um illuminado, alli congregou toda a população dos sítios convizinhos e, engrimpando-se á pedra, annunciava, convicto, o próximo advento do reino encantado do rei D. Sebastião. Quebrada a pedra, a que subira, não a pancadas de marreta, mas pela acção miraculosa do sangue das crianças, esparzido sobre ella em holocausto, o grande rei irromperia envolto de sua guarda fulgurante, castigando, inexorável, a humanidade ingrata, mas cumulando de riquezas os que houvessem contribuído para o desencanto.
Passou pelo sertão um frêmito de nevrose....

Euclydes da Cunha

Os Sertões, página 143, Ed: Livraria Francisco Alves, Paulo de Azevedo & C. (12 edição corrigida)

Comentário: a pedra “Bonita” citada por Euclydes é, transposta para a literatura, a pedra do “Reino” (são a mesma pedra, digamos assim), do Romance d`A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, de Ariano Suassuna, adaptado pela TV Globo em 2007. Na microssérie para a TV o “holocausto” acima aparece, de modo transfigurado, logo no primeiro capítulo. São manifestações do Sebastianismo, ou a crença no retorno de dom Sebastião que voltaria do além-mar para criar o reino da justiça divina na terra.

Abertura da microssérie: